Em meados de 1834, após a vitória das forças liberais fieis a D. Pedro, a Convenção de Évora-Monte pusera fim ao reinado absoluto de D. Miguel que durara seis conturbados anos.
Terminava assim um violento período de repressão, de perseguição, de homizios, de prisões, de enforcamentos e de guerra civil que assolou o País e afectou dolorosamente a nossa região onde havia bastante gente que aderira ao liberalismo e tomara parte activa nos movimentos políticos e militares.
Com o termo da guerra era altura de se conseguir a acalmia e reformular toda a vida administrativa indispensável à nova situação.
Já em Janeiro desse ano um decreto determinava que continuasse a haver Câmaras Municipais nas terras onde existiam, "enquanto não se fizer efectiva a nova organização dos Concelhos".
E, no seu relatório preliminar, diz-se que "a Instituição das Câmaras Municipais eleitas pelos Povos, de maneira que possa com verdade dizer-se que os representam(...) é um elemento essencial da organização do sistema administrativo e uma das garantias dos direitos e das liberdades públicas".
Por tal, se estabelece que "aquela Instituição se faça efectiva nas terras em que as circunstâncias o permitirem".
Assim o pensou o General Torres (José António da Silva Torres Ponce de León), comandante militar da Província do Douro, naturalmente conhecedor deste espírito municipal e das necessidades da região e apoiado na força com que "os capitães-generais das províncias constantemente influem na administração civil", como referia Mouzinho da Silveira.
Nos finais de 1834, o velho general criou o Concelho de Albergaria-a-Velha. Para isso terá influído também o conhecimento directo do desenvolvimento e da importância posicional da povoação e do grupo de albergarienses que, em 1828, o auxiliaram aquando dos violentos combates do Marnel e da Ponte do Vouga contra as tropas fieis ao "usurpador" D. Miguel. Nessa época havia em Albergaria um forte núcleo de liberais que apoiaram as forças do então coronel Torres e, desse facto vieram a sofrer, com suas famílias, gravosas consequências.
No reordenamento que as circunstâncias permitiam, o general Torres elevou Albergaria-a-Velha a vila e cabeça do concelho constituído pelas freguesias da sede e de S. João de Loure (anteriormente pertencentes ao concelho de Aveiro), de Vale Maior (retirado ao concelho de Lamas) e de Alquerubim (com a extinção do concelho de Paus). Naturalmente, de entre as famílias mais destacadas da vila se escolheram os autarcas que haviam de presidir aos destinos do nóvel município nesta sua fase inicial de implantação.
Em breve se realizava a primeira reunião. Efectivamente, em 13 de Fevereiro de 1835 teve ela lugar, como constava do "Livro de Actas das Sessões da Câmara", o qual infelizmente se terá perdido, mas de que há notícia segura transmitida pelo ilustre historiador das coisas albergarienses, Patrício Teodoro Álvares Ferreira que, ainda no século passado iniciou os seus trabalhos de investigação, desempenhou cargos municipais e era familiar de vários autarcas dos primeiros tempos.
Existe, contudo, na posse de sua família, que teve a amabilidade de me permitir a consulta, um "Livro para os Acordãos da Câmara d'este Concelho d'Albergaria Velha", constituído por 60 folhas numeradas e rubricadas pelo Provedor Interino (depois denominado Administrador do Concelho), António Augusto Henriques Ferreira, irmão mais novo dos destacados liberais Dr. José Henriques Ferreira, que foi deputado e governador civil, e João Henriques Ferreira, enforcado sob o governo de D. Miguel pela participação na Revolução de 1828.
O primeiro acórdão começa assim:
"Anuo do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e cinco aos treze dias do Mês de Fevereiro do dito anho em esta Villa de Albergaria Velha e Gazas destinadas para a riunião e publicas audiencias. do Senado da Camara da mesma Villa: Ahi sendo Presentes em Publica Audiencia todos os Membros da mesma Camara; Comigo Escrivão e a maior parte do povo da mesma Villa; ( ... ) etc..
Seguem-se as primeiras posturas da edilidade tendente a um ordenamento municipal e defesa dos habitantes.
Finda a sessão de que o escrivão dá fé, assinam "O Presidente da Camara — José Correia de Mello"; "o Vereador — Patricio Theodoro Alvares e Carvalho"; "o Fiscal José Marques Brandão" e muitos dos presentes que assim deixaram o testemunho deste primeiro acto municipal que termina na forma do estilo: "E eu escrivão da Camara Municipal desta Villa de Alberga V.a q. estes escrevi e assignei. Villa de Alberg.ª Velha treze de Fever.° de 1835. — Antonio Constantino de Lemos Ferreira e Carvalho.
Ao fim da página, o "Provedor Interino" aprova, data e assina este documento precioso que marca o nascimento do nosso Concelho, iniciado por uma decisão com algo de revolucionário que só iria ter cobertura legal, alguns meses depois, por decreto de 23 de Julho de 1835, uma quinta-feira.
ALBUQUERQUE PINHO, Boletim Municipal, Fevereiro de 1992
Sem comentários:
Enviar um comentário