segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Da Inapa para Vale Maior

Nada faria prever que Vale Maior, logo à saída de Albergaria-a-Velha, em direcção a Viseu, fosse local apropriado para instalar uma fábrica de papel. Mas o destino tem coisas destas e a freguesia -- com ar típico de povoação rural -- alberga a Fábrica de Vale Maior há mais de um século. Data de fundação: 1874.

Há 120 anos, com técnicos franceses e capital português, a fábrica arrancava para produzir papel a partir de ... caruma do pinheiro. Os engenheiros franceses conceberam um «lay out» avançado para a época, com clara separação entre zonas fabris e de armazenagem. Foi fundada por uma família de Mogofores que tem entre os seus descendentes actuais o cantor José Cid.

Vale Maior não permaneceu nas mãos da família até aos dias de hoje. Nos últimos anos antes da actual gerência pertencia à Fábrica de Papel do Prado, de Tomar. No início dos anos 70 encerrou em avançado estado de obsolescência. E foi por essa altura de Fausto Meireles lá entrou.

Vivia-se o Verão quente de 75 e Fausto Meireles, homem da terra, via o futuro com pouca tranquilidade. Era então director de produção da Inapa, em Setúbal, e o ambiente laboral da época lá para os lados do Sado não lhe inspirava grande confiança. Teve então conhecimento que Vale Maior estava parada e à venda. Comprou, de parceria com um sócio.

Hoje, a Fábrica de Vale Maior continua a laborar. A matéria-prima essencial é o papel velho: cartões de banana, jornais e revistas, aparas de computador e de papel branco. As aparas são desfeitas, transformam-se de novo em pasta e permitem produzir papel novo.

Fausto Meireles também utiliza pasta virgem para trabalhos mais delicados e papel para embalagem de alimentos. A RAR é um dos seus grandes clientes: os sacos de quilo de açúcar são produzidos com papel novo; as embalagens exteriores com papel reciclado.

O aspecto da fábrica não esconde a sua vetusta idade. Alguns edifícios são verdadeiros documentos de arqueologia industrial. Alguns equipamentos também. Ainda lá está o tanque para produzir papel a partir de desperdícios de pano, fora de uso.

Há máquinas mais modernas mas Fausto Meireles reconhece ser difícil investir na fábrica porque a rentabilidade é reduzida. E só conseguiu atravessar a crise de 92/93 porque a empresa tinha «uma estrutura financeira equilibrada». O que lhe vale, diz, é a outra fábrica que possui na zona industrial de Albergaria. Aí produz embalagens acabadas e outros artigos: toalhas para restaurantes, papel para limpeza de mãos. O papel tanto vem de Vale Maior como de outras fábricas, consoante o produto final.

Fausto Meireles é um homem do papel. Começou em Vale Maior, passou pela fábrica de celulose de Cacia (actual Portucel) e trabalhou na Inapa desde a fundação. Em 75, quando fez as malas de regresso a casa, ganhava em Setúbal «um salário de general». Trocou-o por uma coisa sua e para provar que é possível produzir bom papel reciclado mesmo nas condições mais adversas.

PUBLICO-1994/07/22

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