Vem no jornal PUBLICO do dia 2 de Abril [de 2001] que "um grupo de personalidades" das Caldas da Rainha de diversos quadrantes políticos, mas sem filiação partidária, vai lançar "um movimento de cidadania" com o objectivo de abrir o debate a novas discussões sobre o futuro da vida do concelho.
Segundo a nota, "a perda de importância e de identidade do concelho são dois dos motivos que levaram os promotores do movimento a lançá-lo". O grande objectivo deste movimento é "mobilizar a comunidade para os problemas locais e provocar a reflexão".
Já há vários anos que temos tentado, através das páginas do Jornal de Albergaria, suscitar perante os Albergarienses o interesse pela discussão acerca do nosso destino enquanto comunidade e do nosso futuro enquanto território. Reconhecemos, com algum desencanto, que este propósito não tem tido o eco e o impacto que se ambicionava. Mas nada que nos faça desistir. É certo e seguro que urge discutir Albergaria. É necessário pensarmos o espaço histórico em que nos situamos. É sobretudo imperioso abrir os olhos à realidade que nos rodeia e questionarmos, do modo mais frontal e corajoso, que vai ser de nós.
Nas Caldas da Rainha nasce um movimento (e noutras cidades ele já existe, como em Coimbra com o Pro Urbe) que quer debater o futuro da vida do concelho. E diz-se que se trata de "um movimento de cidadania". Sem dúvida que o é! Ser-se cidadão é pensar-se e viver-se conscientemente, e portanto construtivamente, a cidade, a urbe. Pugnar por uma certa ideia de progresso, defender um rumo e um destino, opor-se à deriva e à desordem. A cidadania opõe-se ao caos urbano, busca a integração harmónica do homem num espaço: um espaço que o serve, em que ele se movimenta e ontologicamente se afirma.
Agora mais do que ontem, amanhã ainda mais do que hoje, é imperioso, é vital olhar para o homem integrado num espaço, num território.
Território esse que deve ser ordenado segundo regras e principies, de modo a que dele se consiga tirar o máximo proveito comum, sempre segundo um desiderato perene: a realização do homem não pode nunca ser subalternizada.
Reflectir sobre a perda de importância e de identidade do concelho – propõem-se os cidadãos das Caldas da Rainha. Se a importância de Albergaria nunca foi, no distrito de Aveiro, por aí além, o mesmo não se diga da sua identidade, onde uma existência histórica de oito séculos, um passado, mais recente, de alguma actividade cultural, um território bem demarcado na sua multiplicidade geográfica, uma economia plurifacetada - sempre contribuíram para uma personalidade colectiva marcada por traços de vincado carácter.
Concelho rural, virado ao monte, mas debruçado igualmente sobre o rio: arejado por vias de comunicação importantes, cioso dos seus bairrismos, saudavelmente rival dos vizinhos, Albergaria-a-Velha foi sempre um concelho consciente de si próprio, e os Albergarienses sempre souberam, com vaidade, levar na lapela o emblema da sua terra.
Esta foi sempre a sua identidade, simbolizada no clube de futebol, nas bandas, nos ranchos, nos seus conterrâneos mais distintos e distinguidos, no seu próprio nome de albergaria.
Só que, também aqui esse património colectivo se perdeu, ou está em vias disso. Quem reside em Albergaria ou perdeu, ou nunca chegou a adquirir o sentido de se pertencer a uma dada terra. E quem de cá saiu e foi para outras paragens viu desvanecer-se irreparavelmente o sentimento da origem.
Tudo isto é mais grave e mais sério do que alguns pensam, porque se trata da ligação genética a um território, que é o cimento que dá consistência às comunidades. Salvo os casos, cada vez mais raros e primitivos, do nomadismo, é um facto que sem o sentido de território não é possível o sentido de comunidade. Por isso é urgente, é imperioso cuidar do território para que o sentido de comunidade seja mais forte. É urgente que também em Albergaria se reflicta sobre o que é de nós, sobre nós e o nosso território, as nossas vilas, as nossas freguesias, o nosso concelho.
(Agora, que se avizinham eleições autárquicas, seria útil saber o que os nossos candidatos a candidatos pensam sobre tudo isto, se é que pensam que vale a pena pensar sobre isto!)
Da nossa parte, assumimos o compromisso de, através da regularidade da sua publicação, cumprirmos aqui a nossa quota parte de responsabilidade, suscitando uma reflexão que devia ser colectiva.
Oxalá isto não seja um inútil "escrever na água". um perdido exercício de solipsismo.
Mário J. Lemos Pinto / Jornal de Albergaria, 03.04.2001
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