terça-feira, 5 de agosto de 2014

A procissão - Angeja, 1973

Está quase chegando à Igreja, de passagem pela Praça, centro cívico da Vila, onde fez mais uma pausa, para os devotos colocarem uma nota - de valor pecuniário, com um alfinete sobre uma das fitas que esticadas descem das pontas do manto da padroeira até à base do andor, - passando de seguida por baixo do mesmo, como complemento da promessa; ao lado, de opa branca como as demais, que as vermelhas já passaram com os estandartes e pendões, um mordomo de bandeja na mão estende-a aos que a veem passar, juntando mais umas moedas que complementarão o estendal de notas, das mais variadas, de pequeno e grande valor, nacionais e estrangeiras, estas daqueles que, emigrados, regressaram para férias. A Banda de Música da Vila em festa, está ainda tocando a sua vez, depois de o ter feito a Banda convidada vinda de fora, como tocando estão os sinos da Igreja; colchas e colgaduras qual delas a mais vistosa pendem das janelas, e no ar que se respira, há um cheiro a carne assada - matou-se a cabra para a festa (1) - saindo ele também pelas janelas das cozinhas, misturando-se com o cheiro que evola, da erva doce que atapeta a rua - escorregadia de paralelipípedos de granito polido - esmagada pelos calcantes de todo este cortejo, até ao pálio que cobre o Pároco local, e um padre convidado que veio para a missa; agora, também um cheiro a incenso, saído do turíbulo fumegante que um acólito transporta. A Banda de fora acentua o ritmo de marcha, com o tré, tré, tré, trr..é, na tarola do músico ao lado do que toca o bombo, e este a dado passo, dá dois toques na pele esticada e redonda, que outrora também de cabra foi, e a música irrompe uma vez mais; atrás o povo caminha, mais mulheres que homens, e muitas destas vão descalças, algumas vão de costas para a frente, agarradas por uma de cada lado, em penitência como que contando os passos, que a Igreja está mesmo ali à vista, e já estralejam foguetes.

(1) Aqui não posso esquecer o desfile do rebanho, chocalhando pelas ruas ainda poeirentas da vila, em semana de festa, fins dos anos cinquenta, para serem vendidas porta a porta, e mortas para o almoço do domingo de festa.

Nota: Texto escrito pelo autor em 19 de Julho de 2011 e publicado no blog EVOLUIR em 20 de Fevereiro de 2014

Manuel Oliveira Costa©2014,Aveiro,Portugal

http://escritaevoluir.blogspot.pt/2014/02/a-procissao.html

Sem comentários: