Amaro Neves foi diretor do jornal Beira Vouga no período imediatamente antes e depois da Revolução dos Cravos. O Correio de Albergaria esteve à conversa com o professor para saber as principais mudanças que se registaram passados 41 anos depois da Revolução que marcou o país.
Correio de Albergaria (CA): De que forma Albergaria-a-Velha entrou na sua vida?
Amaro Neves (NA): Eu fui convidado para ir trabalhar para a Escola Preparatória de Albergaria talvez em agosto de 1970 e trabalhei lá 2 anos. Nessa altura, o mundo de Albergaria era um mundo muito fechado mas a Escola Preparatória era uma lufada de ar fresco.
Aí, contatei com o Diretor do Arauto de Osseloa e também com o Beira Vouga que tinha uma tiragem quinzenal. Entretanto, vim fazer o estágio ao Liceu de Aveiro para o ensino secundário e fiz o exame de estado. O diretor da Escola Preparatória de Albergaria na época foi residir para o Porto e terá deixado a indicação que eu podia ser o diretor. O Presidente da Câmara na altura, José Nunes Alves, chamou-me para conversar e convidou-me para assumir o lugar. Eu confesso que era muito novo, tinha 31 anos mas conhecia a escola e aceitei. Fiquei por lá, isto em 1973. Em 1974 deu-se o 25 de abril e todos os diretores foram exonerados.
CA: E como surgiu a ideia de se tornar diretor do Beira Vouga?
NA: Nessa altura, falava frequentemente com o Presidente da Câmara e um dia ele lançou-me o desafio de eu assumir a direção do jornal Beira Vouga. Em setembro, outubro ou novembro de 1973 eu aceitei. O atual diretor, Homem Ferreira era um individuo com quem tive muito boas relações de amizade. Tornei-me diretor oficial em fevereiro ou março de 1974.
CA: E sentiu os efeitos da PIDE?
NA: Eu já tinha colaborado com outros jornais, já sabia o incómodo da PIDE, já me tinham batido à porta duas vezes. Em Albergaria beneficiava de alguma liberdade concedida pelo Presidente da Câmara mas não podíamos abrir, diretamente, qualquer assunto para o jornal. Dávamos o destaque possível com algumas limitações. Deu-se o 25 de abril. Passados 3 ou 4 semanas começo a receber o jornal, já montado, vindo do concelho de revolução de Lisboa. O jornal vinha todo feito. Aí, começamos a ter alguns desacertos com o proprietário do jornal.
Após o 25 de abril, houve uma invasão de anarquia pelo país fora. Tudo aquilo que eram instituições com alguma estabilidade sentiram-se agitadas. Apareceu muita gente como pseudo intelectuais, candidatos a muitas coisas que sabíamos que nem tinham habilitações para tal. Foi uma onda terrível. Gerou o pânico. As pessoas começaram a viver numa situação de grande instabilidade. Naquele contexto, não quis manter-me no jornal. Os artigos, todos eles, contra aquilo que era o dia 24, os textos apareciam todos fabricados por gente que eu não sabia quem era, numa linguagem de acusação contra A, contra B e contra C à qual eu também não gostaria de me associar. Talvez em setembro, outubro de 1975 comuniquei que nunca mais voltaria ao jornal. Entendi que era insuportável.
CA: E atualmente, como vê o jornalismo em Portugal?
NA: Entretanto, entre outras coisas, fui coordenador e diretor de um curso de jornalismo. Tínhamos a preocupação de que houvesse princípios orientadores assentes no trabalho, no bom desempenho pessoal, não valorizávamos o crime nem aquelas situações que são, hoje em dia, motivo para figurar na primeira página. O crime, o boato, são coisas muito apetecíveis para a informação de hoje mas não tinham cabimento na altura.
Há jornalistas que eu admito que tenham uma formação dentro daqueles mesmos princípios embora, hoje, tenham dificuldade em cumpri-los e há muita gente que é chamada para o jornalismo sem ter formação. Hoje, a preocupação é muito mais em tiragens, às vezes folheio jornais e não vejo uma única noticia que me interesse do ponto de vista do enriquecimento cultural ou moral. Publicita-se a fraude da mesma forma que se publicita uma coisa boa, lado a lado. A informação hoje é mais virada para o vender.
Hoje não temos a PIDE mas era bom que houvesse um órgão regulador que retirasse a pressão e o controlo da informação que fazem para que, cada um, consciente do que representa a sua carta de jornalismo, pudesse assumir a defesa daquilo que escreve. Isso dava confiança a um bom jornalista e fazíamos bons profissionais.
A educação de hoje também não é a educação dos professores formados com rigor e dedicação. Isso, atualmente, perdeu-se. Eu acompanho a formação dos meus netos e vejo que as exigências e a própria escola no seu todo não se ajustou a uma sociedade que deve ser responsável preparando para o trabalho. Hoje importa ganhar bem, ter um bom carro. Não era essa a ambição na minha altura. Queríamos viver bem mas não podíamos ir muito além do que estava ao nosso alcance e sempre com legitimidade.
CA: Considera que o jornalismo impresso vive em ameaça?
NA: O jornalismo em papel não acaba, penso eu. Uma coisa é a informação de imagem, aquela momentânea e outra coisa é o jornal que, sendo credível, fica como referência e faz história. Não quer dizer que as outras imagens não possam fazer história mas, sabemos bem como é fácil manobrar uma imagem, criar uma situação de um faz de conta para captar a imagem. Se o jornalismo for sério, ele fica como marca e por isso quando queremos averiguar algum acontecimento de comportamento social ou de evolução social vamos aos jornais de referência e temos uma imensidão de informação mais ou menos credível.
Eu acho que um jornal regional podia conseguir afirmar-se e tornar-se de referência se for um jornal dentro dos padrões de seriedade. Atualmente, não se faz pesquisa, talvez não haja tempo para fazer pesquisa, talvez os jornalistas não tenham sido formados para pesquisar. Depois, os jornais assim, não se impõem. Há aqui, também, a situação das cadeias de jornais e portanto fazem-se duas ou três páginas regionais e o resto é comum aos outros jornais da mesma cadeia.
CA: A nível pessoal, quais as principais diferenças antes de 1974 e depois de 1974?
NA: Eu estava habituado a acreditar nas pessoas e sabíamos que havia gente séria. Às vezes, a própria palavra servia de garantia. Estava habituado a ver respeitado quem trabalhava e, depois do 25 de abril, foi tudo abanado. Hoje é a cultura do viver facilmente, se possível viver de rendimentos, se possível encostado aos pais ou aos avós ou a alguém que pague a fatura. Hoje, a adolescência prolonga-se até aos 30 anos. No meu tempo, aos 18 anos as pessoas eram responsáveis e tinham obrigação de trabalhar para viver. Hoje as coisas alteraram-se, a circulação entre tudo é muito mais fácil, não há barreiras nem fronteiras.
Correio de Albergaria, 06/05/2015
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