quarta-feira, 4 de março de 2020

João Alves


- Ao contrário do habitual não vamos começar esta entrevista por si diretamente, mas pelo seu avô Carlos Alves e pelas famosas luvas pretas.

O meu avô foi um grande internacional português da década de 30. Esteve nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, onde Portugal fez o primeiro grande resultado desportivo da sua história. Na altura, só havia Jogos Olímpicos, não havia campeonatos da Europa, nem do Mundo. Foi considerado o melhor defesa do mundo nessas olimpíadas.

- E as luvas pretas começam com ele.

É verdade. O meu avô era do Carcavelinhos que na altura foi campeão nacional e ganhou até um título numa final, frente ao Benfica. O Carcavelinhos era uma das grandes equipas da época. Chamava-se Campeonato de Portugal e não Campeonato Nacional como agora.

- É nessa mítica final que o seu avô passa a jogar com as luvas pretas?

É. Antes do Benfica-Carcavelinhos, os jogadores estavam a almoçar e uma fã do meu avô, uma miúda com 13/14 anos, chegou ao pé dele, ofereceu-lhe as luvas dela e disse-lhe que se jogasse com as luvas o Carcavelinhos ia ganhar o jogo. Eram umas luvas pretas, que ainda as tenho guardadas religiosamente em minha casa. O meu avô achou piada aquilo, mas guardou as luvas no bolso do casaco e foi para o jogo. Entretanto o Carcavelinhos chegou ao intervalo a perder e os colegas que tinham assistido à cena na mesa, “obrigaram-no” a jogar com as luvas na segunda parte. Sei que o Carcavelinhos deu a volta ao jogo e foram campeões de Portugal. Tenho essa medalha. É de 1927/28 ou de 1929/30 se não estou em erro.

- A partir dali ele usou sempre as luvas, qualquer que fosse o jogo?

Sempre. A partir dali tornou-se célebre com aquelas luvas pretas. Eu fui fazendo a minha vida, sem ter ainda bem a noção do que é que aquilo representava.

- Foi ele quem o incentivou a jogar futebol?

Sim. Eu nasci em Albergaria-a-Velha, sou o mais velho de três irmãos. É uma família que veio do futebol. O meu avô era o treinador da equipa local de Albergaria. O meu pai também jogou futebol, embora sem grande sucesso. Andou sempre atrás do meu avô, enquanto solteiro, até organizar a sua vida. As origens da minha família da parte do meu pai são de Lisboa, a minha mãe é que é de Albergaria, foi lá que o meu pai conheceu a minha mãe.

- O que faziam os seus pais profissionalmente?

O meu pai era torneiro mecânico. A minha mãe era doméstica. Os meus irmãos nasceram em São João da Madeira. O meu pai foi trabalhar para a Oliva, que era uma grande fábrica de São João da Madeira. E eu fiquei com os meus avós em Albergaria, porque o meu avô era o treinador do Albergaria, que chegou a andar na II divisão.

- Foi criado pelos seus avós?

Sim. O meu avô teve uma premonição de que eu poderia vir a ser o seu sucessor, coisa que nem o meu pai, nem o meu tio conseguiram. Ele gostava muito de ter um seguidor. Fui criado pelos meus avós desde os três/quatro anos de idade. Eu nasci praticamente dentro de um campo de futebol, porque era lá a casa do treinador, oferecida pelo clube. Era um recinto muito grande com campo de futebol de 11, com campo de basquetebol, com espaços enormes, com árvores. Era um parque desportivo fabuloso que pertencia à fábrica Alba, porque o clube era da fábrica. Foi ali que eu comecei. Mal acordava, ia para a rua jogar futebol. Era bola, bola, bola, com o meu avô sempre a puxar por mim. Até que depois fui estudar para Oliveira de Azeméis.

- Depois foi para São João da Madeira.

Sim, porque entretanto o meu avô adoeceu e mudamo-nos para São João da Madeira onde já estavam os meus pais. Foi operado e foi lá que acabou por morrer, em São João da Madeira. Quando nos mudámos, ele inscreveu-me no Sanjoanense. Começo a jogar com 14 anos de idade. Na altura não havia escolas de futebol, oficialmente começava-se a jogar nos iniciados aos 14/ 15 anos. Foi esse o meu primeiro clube, antes de ir para o Benfica.

- Depois de um ano no Sanjoanense vai para o Benfica como juvenil, na época 1969/70. Como é que lá vai parar?

O Benfica tinha olheiros e havia um senhor em Albergaria-a- Velha que já me tinha visto. Entretanto, apareceu o FC Porto, interessado em mim, e levaram-me para ir treinar ao estádio das Antas. Fui convidado para ir com o meu pai, treinei e agradei. Falaram com o meu pai sobre todas as condições para jogar no FC Porto. Só que esse tal olheiro do Benfica era amigo do Fernando Cabrita, antigo treinador do Benfica, e ao saberem do interesse do FC Porto falaram com os meus pais, meteram-me no comboio e enviaram-me para Lisboa.

Tribuna Expresso / ALEXANDRA SIMÕES DE ABREU,  21/10/2017

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