Foi em 1834, na época conturbada que se seguiu à fratricida guerra entre liberais e miguelistas, que veio a surgir, pela primeira vez, o concelho de Albergaria-a-Velha, criado por uma determinação do general Torres (José António da Silva Torres Pouce de León), comandante militar da Província do Douro.
Nesta decisão terá influído o conhecimento da vila e do grupo de albergarienses liberais que,em 1828, o auxiliaram quando dos violentos combates do Marnel e da Ponte do Vouga travados contra as tropas fiéis a D. Miguel. Nessa época havia em Albergaria um forte núcleo liberal, de que sobressaíam o Dr. Jose Henriques Ferreira e irmãos, os quais apoiaram as tropas do então coronel Torres e, do facto, vieram a sofrer duras consequencias. Os que não quizeram ou não puderam exilar-se, como ele fez, ou não se homiziaram como o Dr. João Ferreira da Costa Sampaio, foram presos, quando não enforcados, como João Henriques Ferreira Junior.
Entende-se assim que, após a vitória dos apoiantes de D. Pedro IV, O general Torres se lembrasse das gentes liberais de Albergaria-a-Velha e, aproveitando-se do seu alto cargo, tomasse esta vila cabeça do concelho constituído pelas freguesias de Albergaria e S. João de Loure, antes pertencentes ao concelho de Aveiro, Alquerubim, do extinto concelho de Paus e Valmaior, subtraída ao concelho do Vouga, com sede na pequena povoação com o mesmo nome.
O nosso concelho passou a fazer parte do também nóvel distrito de Aveiro, criado pelo Decreto de 18 de julho de 1835, no qual, por lapso evidente, entre os 52 concelhos, que o constituíam, surgia o de Páos, em vez do de Albergaria-a-Velha. O erro foi depressa rectificado, como se deduz ae um ofício do Governador Civil, de 29 de Setembro do mesmo ano, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a- Velha, informando que, «para todos os fins administrativos» o que fora «a camara municipal de Páos» exercerá «tão somente as funções de Junta de Paróchia, como Delegação dessa Câmara Municipal» (a de Albergaria). Este facto é confirmado pela Portaria de 31 de Dezembro de 1836, assinada pelo ministro Manuel da Silva Passos, mais conhecido por Passos Manuel, autor da reforma administrativa desse ano.
A Câmara Municipal, com os seus membros eleitos em todo o concelho, iniciara então a sua natural actividade, cheia de dificuldades, procurando defender a tranquilidade e o bem estar das populações ainda perturbadas pelas consequências da longa e sangrenta guerra civil que, como sempre, tantos ódios atiçou, e tanta dor semeou.
Meia dúzia de anos após a sua constituição, em «Sessão publica extraordinária de 21 de Julho de 1841», é aprovada a primeira compilação de «Posturas da Câmara Municipal do Concelho de Albergaria-a-Velha» que vem a ser impressa, nesse mesmo ano, pela Typographia da Administração Geral d'Aveiro.
Porque me parece que o exemplar que possuo é raro e ainda porque creio ter interesse conhecer o nome dos primeiros autarcas do nosso concelho que levaram a cabo tão meritória tarefa, aqui os menciono na certeza de que se reconhecerão apelidos vulgares entre nós.
«Os Vereadores: Presidente, João Marques Pires.— Fiscal, Francisco Pereira.— Manuel Joaquim Alves d'Araújo.— António José da Silva Larangeiro. -António Marques da Silva.
«Os Membros do Conselho Municipal:—Patrício Theodoro Alvares e Carvalho.— Ant.º Augusto Henriques Ferreira. — João Rodrigues Branco Junior. — José Marques Pires. — João Marques Mendes. — José Correia de Mello. - Basilio Ferreira Vidal. — Francisco Joaquim Cruz. - Romualdo Marques de Lemos. - Manuel José da Cruz. — Domingos da Silva Larangeiro. — Agostinho da Silva. — Ant.º Marques do Valinho. — João Ant.º Ferreira da Fonseca. — Ant.o Nunes da Silva. - Venancio Correia de Mello. — Joaquim d'Almeida. — José Correia de Mello do Palheirinho.
O Secretario: — Bento Alvares Ferreira.
Estes homens que, graciosamente, há quase um século e meio, trabalhavam pelo progresso das suas terras e pelo bem dos seus concidadãos, merecem que se recorde a sua obra, analisando-a no contexto da época e das condições em que a vida decorria.
Logo a abrir a compilação de posturas, e como preâmbulo Justificativo, apresentam desta forma precisa as esclarecedoras razões do seu labor, que transcrevo textualmente:
«A Camara Municipal do Concelho d'Albergaria-a-Velha e Membros do Conselho do Município reunidos em Sessão publica extraordinaria de 21 de Julho de 1841 annos, reconhecendo a necssidade de Leis Municipaes, que regulem a Policia interior e bom regímen do Concelho o qual ha pouco creado, e formado de partes d'outros Concelhos, precisa de Leis proprias e particulares acommodadas às necessidades dos Povos: fazem por isso, em conformidade com a Carta de Lei de 29 d'Outubro de 1840, as seguintes Posturas:» .
Estas consideraçães provém de homens necessariamente esclarecidos, pois:
1 — reconhecem que os costumes não tinham força coercitiva para se conseguirem as melhores condições de convivencia;
2 — entendem que a heterogeneidade resultante da junção de parcelas de vários concelhos cerceia a força que proviria de uma uniformidade dos mores, aceites como único comportamento admíssível, o que só se consegue com uma longa e homogeneizante integração;
3 — expressam a necessidade de Leis Municipais, como forma de impor, onde os mores falham numa certa padronização que conduzirá ao «bom regimen do Concelho» desejado pelos Povos.
Prudentes, mas realistas, eram estes autarcas que devotadamente se entregavam ao bem estar e engrandecimento da sua e nossa Terra (...)
Albuquerque Pinho, Beira Vouga, 20 de Dezembro de 1985
Nota: Bento Alvares Ferreira foi também o autor das segundas posturas municipais.
1 comentário:
Caro bloguer,
Apenas um reparo. O autor das Posturas Municipais, não só das primeiras, como também das segundas, foi Bento Álvares Ferreira.
Bastará para verificar isso, ler a sua biografia feita pelo Dr. Albuquerque Pinho e publicada na "Gente Ilustre ..." ou por Delfim Bismarck em "Casa e Capela de Santo António".
Continuação de bom trabalho.
Cumprimentos,
D.B.
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