terça-feira, 6 de agosto de 2019

Albergaria-a-Velha e a sua Gastronomia

A gastronomia é hoje um dos principais motivos de atracção turística de qualquer região. Para além disso, é também uma importante componente do turismo que, como é sabido, é o responsável por uma fatia substancial do PIB do nosso país, transformado, cada vez mais, num país de serviços, aproveitando a sua localização e clima.

Desde há alguns anos, a gastronomia é igualmente considerada “Património”, a classificar, a estudar, a preservar e divulgar, inclusive a certificar, como aconteceu recentemente com os Ovos Moles de Aveiro.

Apesar das instituições que têm obrigação de o fazer pouco ou nada terem feito, não se pense que o concelho de Albergaria-a-Velha não possui nada de relevante que não mereça ser preservado, estudado e salvaguardado, seja na área do património arqueológico, edificado, cultural ou mesmo gastronómico.

É precisamente sobre este último que aqui vos falarei hoje. Das suas qualidades e tradições, assim como das suas potencialidades e subaproveitamento para os mais diversos fins como o têm feito, e bem, grande parte dos concelhos nossos vizinhos.

Senão vejamos. Quem nunca provou e confirmou a excelente qualidade de alguma da gastronomia tradicional do nosso concelho? Quem nunca provou enguias fritas ou de escabeche, leitão assado, lampreias em arroz ou à bordalesa, peixinhos do rio fritos, ou vitela assada? Quem nunca provou pães ou padas, regueifas, pães doces, folares, broas, ou biscoitos diversos como, raivas, rosquilhas, bolos de gema ou turcos? Já para não falar em rabanadas e bilharacos?

Enfim, após esta pequena apresentação, afinal todos nós nos lembramos de que temos gastronomia diversificada e de grande qualidade.

Mas para além disso, esta não é uma gastronomia de hoje, sem raízes nem tradições, aproveitada e adaptada de outras terras ou regiões.

Na muita documentação que tenho consultado ao longo dos anos, pontualmente vou encontrando pequenas referências à nossa gastronomia. Por isso, aqui destacarei hoje o pão, o leitão e os biscoitos.
Primeiro o pão. Segundo um apontamento datado de 1882: os “bolos de pão alvo … da casa da Ti Quitéria do Agostinho, ou ainda da Ti Costa …. As duas boas creaturas indicadas … exerciam a vida de padeiras com o maior aperfeiçoamento e aceitação dos consumidores ainda de muito longe. A primeira fabricava pão para o ultimo Bispo de Aveiro, D. Manuel Pacheco de Rezende – tres vezes por semana era o Paço Episcopal fornecido; e ambas a seu turno o Convento de Serém. Muitas terras há que possuem especialidades a certo ramo da industria. Albergaria Velha dedica-se ao fabrico de pão, e é da sua labra o feitio dos pães emitando pujadas têtas, … sem se vêr igual em outra parte, a não ser por emitação”. Por aqui facilmente se vê como o pão confeccionado em Albergaria-a-Velha era afamado na região, e que outros aqui vinham consumir e imitar as nossas produções.

Depois o leitão. Um outro apontamento do final do século XIX informa-nos de que “entre os bons assadores de leitão, que é das melhores iguarias que em Albergaria se prepara, há o costume de o trazerem uma ou outra vez a arejar, depois de meio assado, para o constiparem, dizem. A pele assim torna-se mais quebradiça e a carne tenra e enxuta. A expressão “leitoeiro” utilizava-se quando se referiam a um apreciador de leitão”. Também esta pequena nota nos demonstra como era já tradição o leitão assado no nosso concelho, e como era já umas das principais iguarias que aqui se preparava.

Por fim, os biscoitos. Nesta matéria, existia em Albergaria-a-Velha desde o final do século XIX uma pequena fábrica de bolachas e biscoitos que atingiu grande fama na região, a “Loja Nova”, situada na Rua de Santo António, fundada por Joaquim Ribeiro e Silva.

Os seus produtos, de grande qualidade, eram equiparados aos melhores de Coimbra e Porto, e por esse motivo eram expedidos para todo o país. Mesmo depois do proprietário ter transferido residência para o Porto, os seus familiares aqui mantiveram a sua produção de escala mais regional por mais alguns anos. De entre os seus produtos, os mais procurados eram os biscoitos, raivas e folares da Páscoa.  A tradição de confeccionar este género de produtos conseguiu manter-se viva ao longo dos anos, graças inicialmente à “Casa Turco” e actualmente a D. Margarida Ferreira, herdeira das receitas destes afamados doces regionais.

Por estas três amostras bem se antevêem as potencialidades da gastronomia do nosso concelho. Mas, se tudo isto não bastasse, ainda assistimos, impávidos e serenos, ao aproveitamento, e bem, com fins económicos e turísticos, por parte dos nossos concelhos vizinhos, de alguns destes produtos.

Senão vejamos: o pão. Quem ainda não foi ao Museu do Pão, em Seia, que ali atrai milhares de pessoas anualmente, ou ao Festival da Broa de Avanca, organizado pela Confraria da Broa ali existente. Ora sendo o concelho de Albergaria-a-Velha um dos que mais moinhos, moleiros e padeiros teve, porque nunca aproveitou esses recursos para fins semelhantes? O pão do Fontão e de Albergaria-a-Nova continua a ser do melhor que há.

Depois o leitão, que Águeda transforma na Festa do Leitão e ali faz deslocar milhares de pessoas, ou que Anadia e Mealhada divulgam há muitos mais anos de forma bem rentável. No nosso concelho, temos uma forma diferente de o assar, mais saudável, como se pode comprovar com o sucesso que é a “Casa dos Leitões” em Angeja.

As enguias enlatadas, que uma empresa da Murtosa exporta para todo o mundo, contrapõem com as que aqui podemos saborear, fritas ou de escabeche.

E as lampreias que Sever do Vouga transforma no Festival da Lampreia, ali levando milhares de pessoas, enquanto assistimos à sua passagem a subir os rios que existem na quase totalidade das freguesias do nosso concelho, sem delas fazermos aproveitamento económico e turístico, fosse com arroz ou à bordalesa. Ou a vitela, que também Sever do Vouga bem divulga e apresenta, enquanto nós por cá nos limitamos a prová-la sem grande divulgação. Até os folares que Ílhavo apresenta como bandeira concelhia, são aqui feitos com mestria e em nada lhes ficam atrás, com ou sem ovos.

Apenas os biscoitos diversos descendentes da “Casa Turco” ainda levam longe o bom nome de Albergaria-a-Velha, mas até quando? Parece que apenas a regueifa e o pão doce estão esquecidos e ainda ninguém se lembrou de os aproveitar para fins económicos e turísticos nos concelhos vizinhos, já que as rabanadas e os bilharacos são produtos mais sazonais. A título de curiosidade, as famosas cavacas típicas das Festas de São Gonçalinho, em Aveiro, foram este ano confeccionadas no nosso concelho, na Branca.

Agora, se a estas qualidades gastronómicas e potencialidades turísticas adicionarmos um outro condimento – a excelente localização geográfica do concelho de Albergaria-a-Velha –, então porque não salvaguardamos e divulgamos os nossos excelentes produtos gastronómicos, prestando diversos “serviços” ao mesmo tempo que salvamos o nosso “Património”, atraímos turismo, criamos emprego, geramos riqueza e divulgamos algumas das boas coisas que ainda existem no nosso concelho.

04-05-2010
Fonte: Dr. Delfim Bismarck, Portal de Albergaria

Após a leitura deste artigo, constato que o autor, na realidade, está atento à assimetria gastronómica do nosso concelho.

Somente comento três iguarias “serranas”, que há séculos vão para a mesa dos habitantes da freguesia  da Ribeira de Fráguas.

Mesa sem vitela assada no forno (a lenha), nos dias das festividades locais, é situação rara.
Provavelmente uma herança secular do movimento migratório oriundo da região lafonense, para a nossa freguesia.

As regueifas e cavacas confeccionadas no lugar de Vilarinho de São Roque, são outro testemunho da gastronomia local.

Em jeito de brincadeira, com boa vontade, ainda ainda vamos formar a Confraria do Caracol, aqui pela Ribeira.

Um abraço.

Nuno Jesus, 6 de Maio de 2010, 19:21

Sem comentários: