sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Casa de Alcino Soutinho em Albergaria-a-Velha


A caixilharia foi uma brutalidade em dinheiro, foi o Soutinho que a desenhou, são todas com vidro triplo. Ele inicialmente queria vidro duplo, mas eu tinha um amigo meu que tinha uma fábrica de vidros e ele pôs o laminado por fora, têm dois, caixa de ar e depois têm outro por dentro. Obriga a uma manutenção grande a casa. Isto é uma brutalidade, na altura o que eu gastei aqui em madeiras dava para comprar um apartamento (gargalhadas).

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Havia aqui um presidente da Câmara, que era o doutor Rui Marques do CDS. Ele tinha comprado uma casa ali em cima, que é uma zona chamada Campinho com uma área muito grande de terreno e envolvente, uma casa antiga, apalaçada e ele começou a restaurar essa casa e foi o Soutinho que começou a restauração.

Entretanto comprei este terreno que é dum tio-avô meu. É muito grande este loteamento, tem oito lotes. Este aqui têm 1250 metros quadrados. Comprei isto em 1985 e dei por este terreno quatro mil e quatrocentos contos, era muito dinheiro. A casa é de 1990 mas só foi concluída em 1999.

E então o Rui Marques, ele era meu amigo eu falei com ele e disse-me “vou-te apresentar um arquiteto e gostava que tu fizesses a casa com ele, é um arquiteto muito bom e eu precisava de começar a ter casas arrojadas em Albergaria”. E nós fomos falar com o Soutinho, fomos lá ao Porto, estava ainda na zona nova, ele estava na rua que vai dar à Constituição do lado esquerdo. Nós fomos falar com ele, e lá lhe demos o programa, o quê que queríamos. Era uma casa de primeira habitação, cinco quartos, cinco casas de banho, piscina…

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Têm aqui um jardim interior quando se entra, onde as divisões se desdobram em volta deste jardim. Tudo feito por construtores locais. Isto aqui (o jardim interior) é o sítio de brincadeira do meu neto, ele adora este sítio.

O chão é todo em madeira em tábua corrida. O sol desgasta as madeiras. Isto aqui é um escritório, repare neste móvel que faz uma separação e serve de apoio ao escritório,

foi ele que fez o desenho. Ainda tenho aí os desenhos e ainda esquissos que ele fez para explicar aos proprietários.

Esta casa tem um problema muito grande é a falta de arrumos. A casa para ser construída no terreno teve de ser toda desaterrada, e criou aqui um falso e podia ter aproveitado para fazer um compartimento nessa zona que foi aterrada depois e resolvia-se a falta de arrumação. É que o arquiteto desenha mas depois nós que vamos habitar temos outras necessidades.

Este quarto de baixo, serve para quando alguém tem um problema de mobilidade e não consegue ir para o andar de cima. E a casa de banho que dá serventia à parte de baixo. Repare que tudo têm portadas interiores, é uma segurança. Já na altura enveredei por comprar materiais bons, as peças sanitárias são todas Rocca. Ali é a cozinha. Aqui é um corredor que dá acesso a três salas. Esta sala usamos todos os dias, a outra é mais quando vem visitas, mas no fundo não é uma sala muito usada. A casa à frente têm pouca abertura, atrás está toda rasgada.

Lá atrás tenho um forno de lenha e a casa da piscina com balneário. Uma pérgula a toda a volta.

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Aquele muro (de vedação da propriedade) caiu, houve um ano em que choveu muito e existia uma linha de água, isto aqui eram uns campos com silvas e dum momento para o outro choveu muito e as linhas de água aparecem. Os vizinhos não tinham muros e o meu muro fez de barragem, aquilo foi até à tensão de rotura. A piscina desapareceu, apareceu-me água no piso debaixo. A qualidade dos materiais revelou-se nesse momento, porque mesmo inundado o piso debaixo o chão de madeira ficou impecável.

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Aqui tem uma sala, uma sala de jantar. Esta escada aqui é bonita, mas tira aqui um espaço nas salas, se ficasse uma sala ampla era outra coisa. Para festas é aqui que subimos e descemos. Quando vimos o projeto final da casa a minha mulher disse: “aqui esta escada senhor arquiteto não gosto muito”. Ele também queria por umas colunas redondas nas salas, e ainda me cortava mais as salas. A ideia quando eu lhe falei é que eu queria uma sala de jantar com portas de correr mas que me desse continuidade para outra sala, imagine que tinha aqui um jantar grande abria as portas e tinha outra sala para puder aumentar-me. É interessante este pormenor da escada porque eu lembro-me que o arquiteto disse “isso é como as senhoras que usam aqui um apêndice, um penduricalho num casaco” (gargalhadas).

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As portadas abertas ou fechadas criam dois ambientes diferentes, nem parece a mesma casa.

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Não comemos na cozinha, a cozinha é para cozinhar não é para comer, o Soutinho queria que assim fosse. Estes móveis da cozinha foram todas desenhadas por ele criando um plano de fora a fora. Tem bastante luz a casa toda. Os móveis são todos de origem. Eles dizem que isto é um “implúvio”. Tem este interior árabe. Vinha sempre a Andrea aqui e outro arquiteto que também lá estava no escritório, parece-me que foi o João Cabral, tinha assim o cabelo grande, seria da mesma idade da Andrea. Quando houve este problema do muro o Soutinho veio logo ver o que aconteceu.

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Lembro-me de termos ido ver outras casas que o Soutinho fez, por exemplo a de Matosinhos.

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Esta casa era para ser branca, o arquiteto foi a um congresso em Itália, e tinha, inicialmente a ideias de pintar de branco. Entretanto acho que fez a apresentação em Itália da nossa casa e perguntaram-lhe a cor, e ele falou em branco e houve críticas ao branco e disseram para ele não a pintar de branco, que a casa ficava com outro ser completamente diferente. Nem imagino esta casa pintada de branco.

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Se soubesse quando ela foi construída, foi na altura do Saddam Hussein, e aqueles problemas que houve no médio oriente, foi muito criticada a casa. Foi polémico, chamaram bunker. Na altura os meus filhos andavam na secundária e mesmo eles eram criticados, chegavam a casa e diziam “oh mãe, a mãe do meu amigo disse, Carlos que casa horrível que vocês estão a fazer.” Depois da nossa começaram já a mudar na rua.

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O que foi uma loucura foram os cálculos de engenharia. Ele estava a trabalhar nos prédios da Mota Engil um engenheiro qualquer, ele até estava com receio em nos dizer o preço, foi uma loucura. O comentário que eu fiz ao Soutinho foi “Oh senhor arquiteto

ponha a arquitetura de lado e comece a fazer cálculo” e ele disse “tem razão, vou pensar seriamente nisso” (gargalhadas). Em relação à casa, eu acho que tem um trabalho muito meritório e forte. É um contraste.

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Tem aqui uma parte muito linda, esta escada de lanço único, com este varão aqui de lado enquadrado com estes painéis brancos é espetacular.

Obrigado, volte sempre que precisar ou queria visitar a casa, gostámos muito.

EXCERTOS DA CONVERSA COM CARLOS VIDAL - Anexos (123-126)
(2 de agosto 2019, na casa de Albergaria-a-Velha)

AS CASAS DE ALCINO SOUTINHO - estudo das habitações unifamiliares entre 1963 a 2003
PROJETO DE DISSERTAÇÃO. ANA RITA MOREIRA (2020)

https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/8693/2/TM_Ana%20Moreira.pdf

https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/8693/3/TM_Ana%20Moreira%20-%20Anexos.pdf

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A relação que Alcino Soutinho possuiu com os seus clientes e amigos, foi relatada pelos próprios aquando as visitas às habitações. Alegre, preenchida de momentos de socialização entre famílias e amizades que perduram uma vida. Alcino Soutinho era a “alma da festa”, com os seus jogos, piadas, seriedade nos momentos adequados, contrariando e educando muito vezes o próprio cliente, no sentido duma melhor arquitetura, que este cria, pois a experiência e poética assim o ditavam. 

Das histórias que foram contadas pelo arquiteto e eternizadas através do livro de “Conversas com Arquitetos", de Nuno Lacerda, Soutinho conta uma história acerca do casal Vidal, proprietários da Casa de Albergaria-a-Velha.

“(…) fiz uma casa (…) que era um casal, constituído por um senhor muito simpático que era funcionário superior de um banco e a mulher que era médica dentista.

E que me chegou lá e disse: “senhor arquiteto, a única coisa que eu queria é que o senhor me fizesse uma casa com telhado, eu não posso com os caixotes”. Eu disse logo que sim, até porque eu tenho muito respeito pela telha, que é um material tão digno como qualquer um. Depois, traziam-me também um clássico, que era uma folha rasgada de uma revista com uma casa qualquer. Eu disse: “sim senhor, não tenho qualquer problema”. E então fiz um projecto que é uma casa que tem os telhados todos a descer para o interior da casa que depois tem um núcleo central. Portanto, quando se está de fora só se vê o limite, a cumeeira. Portanto, são telhados que convergem nesse núcleo, que é o centro da casa. Eu cheguei, mostrei uma maqueta, falámos sobre isso e a senhora ficou a olhar para mim e disse-me assim: “o senhor arquiteto fintou-me”. E eu perguntei-lhe:“mas porquê?”. E ela disse: “porque fez um telhado mas não fez…”. E eu disse: “então, mas está cá a telha, está cá o telhado, se queria assim ou assim, e eu gosto mais assim”. E achei graça, depois deu-se uma relação muito interessante” (Soutinho, 2010).

AS CASAS DE ALCINO SOUTINHO - estudo das habitações unifamiliares entre 1963 a 2003
PROJETO DE DISSERTAÇÃO. ANA RITA MOREIRA (2020)

ANEXO II LISTA DAS OBRAS DE SOUTINHO

1988 - Remodelação e ampliação de uma habitação em Albergaria-a-Velha

1990 - Habitação unifamiliar, Albergaria-a-Velha 

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