sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Casa da Justiça

A elaboração e a aprovação do projecto do novo edifício [Casa da Justiça] estiveram "encalhadas" durante vários anos, e o seu arranque final ficou a dever-se a uma aceleradela forte, mercê dum golpe de inteligência, e simultaneamente de humildade, do então presidente da Câmara Municipal, o saudoso Sr. José Nunes Alves.

Era ao tempo Primeiro Ministro o Almirante Pinheiro de Azevedo que, por quaisquer circunstâncias alheias à nossa vila, passou por Albergaria e foi almoçar, com a sua comitiva, à Adega da Casa Alameda.

Chegando ao conhecimento do Sr. Nunes Alves a presença de tão ilustre figura na vila, deslocou-se, com o seu inato ar pachorrento, ao referido local para, após a formal apresentação, colocar os seus préstimos ao dispôr de Sua Excelência. Depois de breve conversa, o Sr. Nunes Alves convidou o Sr. Primeiro Ministro a deslocar-se à "sala de visitas" - o edifício da Câmara Municipal - convite esse que foi de imediato aceite.

É neste momento que o verdadeiro truque é posto em funcionamento O Sr, Nunes Alves, com toda a sua perspicácia, que nem todos vislumbraram, contrariamente ao que faria em circunstâncias normais, conduziu a ilustre visita e respectivos acompanhantes não pela porta da entrada principal, mas sim pela porta das traseiras.

Ora, como sabem todas as pessoas que conheciam o edifício dos Paços do Concelho antes da remodelação, era exactamente nesse local que se encontravam os degradados sanitários, estando os urinóis colocados mesmo à entrada de modo que, quem entrasse por ali e quisesse utilizá-los, ver-se-ia forçado, para não ser observado de cá de fora, à maçada de fechar a porta para o exterior...

Pois o Sr. Nunes Alves foi tão feliz na "jogada", que acertou em cheio na necessidade fisiológica que no momento determinava o Sr. Primeiro Ministro: com a sua habitual e conhecida descontracção, fixando o urinól mais próximo, exclamou, com ar de alívio: "ó Presidente, calhou mesmo bem, já agora aproveito para fazer uma xixizada..." E engraçado que, segundo contou depois o Sr. Nunes Alves, para não fugir ao conhecido provérbio o exemplo foi seguido por mais dois ou três circunstantes...

Chegados ao átrio, subida a velha escadaria e apreciada a lápide alusiva a D. Teresa, foram de imediato e intencionalmente introduzidos na Secretaria Judicial que, sem dúvida, era o sector mais desprotegido do edifício, com um buraco no estuque do tecto tapado com uma placa de tabopan, com uma divisória, tipo biombo, que separava a secção central das secções de processos.
Daí, da varanda, divisava-se logo à frente uma bouça, onde se encontravam as vacas do Sr. Negrão, umas ainda a pastar, outras ruminando sonolentamente.

"É ali, Sr. Almirante, naquele local, que já devia estar a funcionar o Palácio da Justiça, e nem sequer o projecto está aprovado, com a Justiça cá da terra nestas instalações."

"Esteja descansado, Presidente, que chegando a Lisboa vou falar com o Pinheiro Farinha (era então o Ministro da Justiça) e isto vai começar rapidamente" - replicou o Almirante Pinheiro de Azevedo.

E de facto, poucos dias volvidos, estava o projecto aprovado e posta a obra a concurso.

A construção foi adjudicada à sociedade SANTOS & FERREIRA, Lda, desta vila. É triste constatarmos que, na altura da inauguração do edifício já o projecto estava ultrapassado, por não ter sido tomado em conta o futuro imediato. O Tribunal já há muito que luta com falta de espaços, as Conservatórias vão ser brevemente desanexadas e a da Registo Civil terá de ser instalada fora do Palácio da Justiça. Por sua vez,- a Secretaria Notarial não pode usar o local que foi destinado para seu arquivo, pois em tempo de chuvas fica inundado a tal ponto que os tacos do piso se deslocam e os documentos seriam destruidos com a humidade.

Mas, enfim, há quem ainda esteja pior.

João Nogueira Sousa e Melo em Jornal de Albergaria, 13/05/1993
artigo "A Inauguração Oficial da nossa Casa da Justiça"

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