quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Museu da Região de Albergaria-a-Velha



Por Delfim Bismarck *

É uma necessidade urgente a elaboração de um projecto para a criação de um futuro Museu da Região de Albergaria-a-Velha. Caso contrário grande parte do espólio que o deveria constituir, perder-se-à irremediavelmente.

A constituição de um espaço museológico deste género, poderá e deverá contar com apoios comunitários, estatais, camarários ou, ainda, e como é corrente no nosso país, através da apresentação de uma candidatura no âmbito do Programa Operacional da Cultura (P.O.C.) ou no âmbito do Programa Operacional do Centro coordenado pela Comissão de Coordenação da Região Centro (C.C.R.C.), pois só assim será possível obter os recursos financeiros necessários e reunir as condições mínimas para o desenvolvimento de um projecto desta ordem.

A Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, é a entidade competente para a elaboração de um projecto Museológico desta ordem, deverá utilizar para tal um dos edifícios que já detenha para servir de sede do Museu, adaptando-o para o efeito, já que a ausência de um edifício apropriado parece muitas vezes ser o argumento principal para a apatia das autarquias nesta área.

A adaptação dos espaços a musealizar, é de extrema importância para um bom funcionamento do futuro museu, pois, só assim, o Concelho de Albergaria-a-Velha ficará dotado de um equipamento adequado nas áreas da investigação e da divulgação cultural.

Este espaço museológico, serviria de interligação entre a conservação, a investigação e a divulgação, tendo por objectivo mais geral o incrementar uma intervenção mais directa nos campos da acção pedagógica, da dinamização cultural e do turismo, que directa ou indirectamente levem a um desenvolvimento sustentado do concelho.

Ideia de há 100 anos

A ideia de criação de um Museu em Albergaria-a-Velha não é de agora. Rigorosamente há cem anos, mais precisamente em 1902, Patrício Theodoro Álvares Ferreira alertava para que "a Câmara Municipal destinasse nos Paços do Concelho ou no edifício da Cadeia nova, onde havia salas de sobejo, um compartimento somente destinado para objectos dignos de ser conservados e pertencentes ao território do concelho, o que serviria de núcleo a um pequenino museu".

Entretanto, os anos lá foram passando e, como parece já ser hábito no nossos concelho, muitas das peças que teriam o maior interesse em serem preservadas num ou para um Museu, lá foram sendo destruídas, vendidas, alteradas, descaracterizadas ou acabaram por sair definitivamente da nossa região, perdendo-se para sempre.

Já na década de 80, o Dr. José Simões Ferreira, legou à Câmara Municipal, para além de uma vasta biblioteca, um conjunto de objectos etnográficos ligados aos costumes locais, e que foram depositados num anexo da nossa "pseudo" Biblioteca. Também na mesma década, outros Albergarienses destinaram algumas peças dos seus espólios com vista à criação de um museu, como foi o caso do Comendador Manuel Arêde, que ofereceu à Câmara Municipal o seu colar e insígnias da Comenda da Ordem do Infante, para serem expostos num futuro Museu.

O próprio Dr. Jacinto Pires de Almeida, disponibilizou-se para oferecer a sua vasta colecção de Arte Sacra e o seu imenso arquivo pessoal para o mesmo fim, o qual, pela sua qualidade e quantidade, não teria paralelo em todo o distrito, o que nunca chegou a acontecer até ao seu falecimento em 2 de Outubro de 1995.

Também o Grupo Etnográfico e Cultural de Albergaria-a-Velha, detém, aproximadamente desde a mesma altura, na sua sede, um pequeno núcleo museológico etnográfico com bastante interesse, que se não fosse a sua iniciativa já se teriam perdido para sempre.

À semelhança destes, também alguns, senão muitos privados, detém objectos ligados ao passado do nosso concelho, que gostariam, um dia, ver expostos ao serviço da sua comunidade.

A propósito, seria conveniente que a actual Câmara Municipal, tomasse conhecimento e fizesse um inventário minucioso dos espólios arqueológicos oriundos das seguintes campanhas de escavações: "Mamoas do Taco" (pré-histórico), "Cristelo" (romano) e "Monte de S. Julião" (pré-histórico e romano). Pois, segundo julgo saber, restará uma pequena parte desse espólio. Terá evaporado? É urgente apurar responsabilidades e questionar os responsáveis pelo paradeiro dessas peças com milhares de anos. Também a parte documental deverá ser alvo da maior atenção.

O projecto

A criação de um espaço museológico numa região como a de Albergaria-a-Velha, onde não existe qualquer tipo de equipamento com estas características, coloca inevitavelmente várias questões sobre a sua estrutura e temática.

A vila de Albergaria-a-Velha, para além de sede de um concelho com mais de 20.000 habitantes, é o centro de uma região extremamente rica e diversificada, quer nos aspectos naturais e paisagísticos, quer em actividades tradicionais (algumas já extintas e outras em fase de extinção) como a exploração de minério, moagem, olaria, cestaria, gastronomia, doçaria, património monumental e arqueológico, e tantas outras.

Um futuro projecto museológico deve ser muito mais do que um espaço físico de exposições, mas sim um centro cultural que possibilite a investigação sobre a região e a sua divulgação nas vertentes pedagógica e turística, um espaço de animação cultural que traga à região iniciativas e acções exteriores, mas devidamente enquadradas com um plano e com a actividade do Museu.

Na nossa modesta opinião, uma das funções de um museu de "província", como deverá ser este, é identificar os que partiram e os que ficaram com as suas raízes ancestrais, promovendo a diferença e contrariando uma massificação excessiva da sociedade.

Em termos de estratégia de actuação, não se pretende que o museu seja um simples repositório de peças, mas sim um local de partida ou de chegada de e para a região. Que seja também uma pequena montra, com meio de informação e de orientação de locais de visita, procurando situar-se no eixo de uma rede concelhia de lugares de interesse, como: monumentos históricos, sítios arqueológicos, pontos de observação paisagística, etc., integrando-se, assim, no que hoje é denominado por "Ecomuseu", ou museu polinucleado, que permita outros pólos de interesse no concelho (como por exemplo: arqueologia urbana, arte sacra, pelourinhos ou cruzeiros, núcleus artesanais, núcleus molinológicos, etc.) fora do edifício do Museu.

"Neste caso, o Museu é a própria região. Pode-se perguntar: então, qual é o papel do edifício? Como atrás se disse, este é apenas a janela de onde se entrevê a região, mas também, o centro de recolha, conservação e estudo de materiais que, pelas suas características, não podem ficar no terreno. Local de recepção e informação através de materiais, textos e imagens, integrados num todo coerente, como objectivo de transmitir as realidades locais, desafios vencidos e problemas a resolver."

Há ainda grandes possibilidades de organizar pequenos núcleos museológicos temáticos nas freguesias do concelho, compondo, assim, uma pequena rede concelhia de Museus, que deveria integrar, também, museus de industria que possam vir a aparecer, nomeadamente ligados à industria da fundição, do papel, do minério, ou outras.

A disponibilização de um espaço físico para albergar um futuro núcleo museológico, com as condições mínimas de espaço, que permitam albergar uma série de equipamentos indispensáveis ao bom funcionamento de uma unidade museológica, constitui um elemento decisivo para a concretização da ideia que, como já foi referido, foi sendo adiada ao longo dos tempos. Para a elaboração deste projecto, deverão ser ouvidas as entidades mais directamente interessadas, como a autarquia, as juntas de freguesia, as escolas, as associações culturais e, acima de tudo, os munícipes, pois sem o empenhamento destes, nesse projecto colectivo, o Museu nunca será um "espaço vivo".

Justificação

Tendo em conta o que foi anteriormente exposto, entendemos conveniente que se torna necessário dotar a região de Albergaria-a-Velha de um equipamento de utilização colectiva desta natureza, considerando o seu relevante interesse social, que poderá constituir:

- um instrumento de apoio pedagógico, no quadro da interacção escola-meio;
- um meio de consciencialização da população local para os valores do património natural/cultural e melhor conhecimento de si própria;
- um centro de apoio à investigação regional;
- instrumento de dinamização cultural, promovendo acções de divulgação dos diversos patrimónios da região no exterior e trazendo a esta intervenções e conhecimentos complementares da actividade do Museu;
- complemento de atracção turística, sobretudo quando estão a despontar iniciativas de turismo rural.

Objectivos

Antes de expormos objectivos que presidem a um equipamento deste género, importa apresentar aqui a definição de museu adoptada pelo ICOM (International Council of Museums): "O Museu é uma instituição permanente, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, sem fins lucrativos e aberto ao público, que faz investigações sobre os testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, ao mesmo tempo que os adquire, conserva e muito especialmente os expõe para fins de estudo, educação e recreio".

No seguimento desta ordem de raciocínio, o Museu da Região de Albergaria-a-Velha deveria ser:

- um centro de recolha e conservação de materiais arqueológicos provenientes da região (de escavações sistemáticas, acções de emergência, ou achados fortuitos);
- um espaço de informação e exposição de matérias e materiais com especial destaque para os temas mais significativos para a região;
- uma unidade de investigação científica, com vista ao desenvolvimento do conhecimento ao nível mais específico;
- um polo de dinamização cultural (lugar de estudo, educação e recreio) em cooperação com as escolas;
- uma "Central" distribuidora de percursos e informações sobre os lugares de interesse histórico-paisagístico da região;
- um meio de atracção turística, "prendendo" o visitante mais tempo na região, o qual pode aproveitar melhor a estadia; diversificando a oferta através de mais um produto cultural, espera-se contribuir para a escolha desta região como destino turístico.

Em suma, ainda no plano de alcance social, esta iniciativa tem por objectivo combater o imobilismo, parente próximo do derrotismo, que é o pior inimigo do homem.

Destinatários

Os destinatários de um projecto museológico, serão, de modo geral, todos os visitantes.

Podemos, no entanto, tentar ordenar o nosso público-alvo em três grupos principais:

- primeiro os Albergarienses (porque o museu será, em primeira instância, deles), os residentes e os não residentes que gostam de se rever na sua terra quando temporariamente regressam da diáspora, mais ou menos forçada, pelos diversos cantos do mundo;
- a população escolar, devendo o Museu ser uma extensão de apoio pedagógico às escolas;
- população exterior: investigadores e turistas (nacionais e estrangeiros). No grupo dos turistas será ainda necessário distinguir os de turismo cultural (que procuram mais documentação de apoio, percursos alternativos e interesse em conhecer melhor o património existente).

Tendo em atenção os diferentes tipos e níveis de público, o Museu, como instituição, deverá procurar ser o mais abrangente possível, adaptando-se aos interesses particulares de cada um.

Resultados esperados

Este projecto não persegue fins lucrativos, para além do auto-financiamento de algumas iniciativas, designadamente: publicações, edições de postais, réplicas, com um custo mínimo de ingressos.

Assim sendo, os resultados esperados, quantificáveis, só poderão reportar-se à frequência de visitantes/ano, o que, neste momento, é imprevisível, e ao apoio do mecenato. A este respeito, note-se, como mero indicador, que a Exposição sobre "Fotografias e Postais Antigos do Concelho de Albergaria-a-Velha", patente no edifício da antiga Cadeia desde 10 a 17 de Abril de 1994, organizada pelo Leo Clube de Albergaria-a-Velha, contou com mais de nove centenas de visitantes. Recorde-se, também, o número de pessoas que visitavam a vila de Albergaria-a-Velha, quando existiam carnavais, provas desportivas, eventos culturais de melhor qualidade, etc., demonstrando bem a carência de actividades culturais e lúdicas das nossas gentes.Talvez nos interessem mais os resultados de ordem qualitativa e que situamos ao nível da correspondência/adesão aos objectivos propostos: aumento substancial do conhecimento sobre a região e a temática cultural exposta; identificação dos naturais e residentes com as origens da terra a que pertencem, num espírito de regionalidade consciente e sã; reforço da componente turística, em termos de oferta cultural que rompa o que não foi uma política cultural nos tempos da "outra senhora".

Âmbito espacial da intervenção

O campo de actuação directa do museu será o Concelho de Albergaria-a-Velha. Preferimos, todavia, utilizar o termo "Região", por ir ao encontro de uma realidade mais natural, contrariando o artificialismo do recorte administrativo do concelho actual, saído do século XIX. Como é evidente, as recolhas de objectos terão em conta o princípio da territorialidade administrativa, embora o museu possa e deva vir a colaborar com municípios limítrofes, desde que solicitado para tal.

Num plano mais geral, aguarda-se a organização de uma rede regional de museus, em coordenação, no distrito de Aveiro, com o Museu Santa Joana, em Aveiro. Caso tal se verifique, o Museu da Região de Albergaria-a-Velha poderá vir a beneficiar da sua integração numa estrutura deste género. A proximidade com Aveiro pode trazer inúmeras vantagens, nomeadamente nos próximos anos, devído à realização de eventos de grande dimensão, como são, por exemplo, o Euro 2004 de futebol.

Metodologia de intervenção

Conforme se disse anteriormente, aquando da explicitação do que deveria ser o projecto, pretende-se que o mesmo seja inovador no seu campo. Um museu, hoje, não é um armazém de peças mais ou menos interessantes e mais ou menos antigas. Assim, seria demasiado fácil fazer um "Museu".

Na linha da chamada "Nova Museologia", procurar-se a circulação de um saber interactivo, jogando com as ciências humanas (Arqueologia/História...), as ciências naturais (Geologia/Biologia...), e outras como a Medicina ou a Estatística, para além de técnicas (relacionadas com o tipo de colecções existentes), tendo como ponto de apoio o edifício (e possível terreno em anexo) e a região, que está sempre presente.

Pensar é fácil!
Resta-nos, agora, esperar por um bom desempenho dos nossos autarcas em todas as áreas, em especial nesta, pois, só eles podem e devem liderar um projecto deste género.

NOTICIAS DE AVEIRO
editor Júlio Almeida actualizado em 29-03-2002

* Delfim Bismarck é historiador

Sem comentários: